2 de outubro de 2013

Memórias de infância


Normalmente eu morria de medo, mas negava sistematicamente. Imagine só se eu assumisse, seria a derrocada, o terror tomaria conta do meus pensamentos e não mais eu acordaria para ir à escola. Porém, o tempo passou, já há um distanciamento histórico o suficiente para eu rir do passado e contar este fato.

Foram anos a fio com a mesma rotina: acordar, levantar, lavar o rosto, esquentar a água no fogão – era muito frio pela manhã e não tínhamos chuveiro elétrico – e vestir o uniforme escolar.  Ah, ia me esquecendo do leite quente com biju, já era costume. Após essas atividades básicas eu estava preparado para enfrentar a estrada de chão, poeira quando não chovia, e barro quando São Pedro resolvia abrir as comportas do céu. Contudo, meu maior inimigo era a escuridão. Eram três quilômetros de puro breu, a última luz que viu, até dobrar a esquina dos eucaliptos e do açude, era a que ficava na beira do casebre onde eu e minha família vivíamos. A partir dali escuridão total! De vez em quando, uma companhia corria por entre os capões, o coração acelerava, os passos alargavam e em instantes aquele espectro ficava para trás.

Em dias de luar era um paradoxo. Ora eu me sentia satisfeito pelo clarão que provinha da lua e deixava a estrada menos escura; ora o medo aumentava, pois os vultos e sombras aumentavam... e é preciso levar em consideração que a imaginação de uma criança é fértil: a sombra refletida de um arbusto se tornava em um mostro assustador, as estórias que vovó contava à luz da vela nas noites em que faltava eletricidade se concretizavam ao longo da estradinha.

Na subida que antecedia a chegada ao ponto de ônibus – este ponto ficava na estrada menos apertada batizada de estrada grande – eu já via o breu do céu dando lugar ao gris da aurora, mais um pouco de tempo e se podia perceber os primeiros raios do Sol apontando no horizonte. Um alívio no peito somado a uma sensação de vitória. Agora bastava aguardar o ônibus escolar rural para vencer mais dez quilômetros na companhia de outras crianças. Enfim o sino soou e as atividades escolares começaram. 

Rodrigo Stankevicz

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